aleksandr verchínin, especial para gazeta russa

A história dos
uniformes militares russos

Das armaduras medievais, passando pelos regimentos do tsar e os truques soviéticospara facilitar a colocação de condecorações no pós-guerra, a Gazeta Russa preparou um especial para explicar todas as mudanças nas vestes do Exército russo-soviético.

aleksandr verchínin é doutor em História
e pesquisador-sênior do 'Centro de Análise de Problemas'

300 anos de tradição

A história do uniforme militar russo tem mais de 300 anos. Por sua riqueza de tradições, elementos elaborados, atenção nos detalhes - pequenos, mas importantes -, talvez esses artefatos não se comparem a quaisquer outros no mundo.
Após a Segunda Guerra Mundial, os países europeus adotaram os padrões norte-americanos, que agradavam às forças da Otan. O brilhante uniforme vermelho da infantaria britânica, o azul francês, que surgiu com Napoleão, o famoso capacete Stahlhelm do soldado alemão, todos caíram no esquecimento. Nesta história, a Rússia é uma feliz exceção, pois conseguiu preservar o padrão militar nacional. E isso vale muito.

De nobres a soldados, a armadura de metal protegia a todos

Quando se pensa em armadura de alta qualidade, a Rússia não é o primeiro país que vem à mente , mas sim os reinos medievais da Europa Ocidental.
Ainda assim, armaduras russas foram descobertas em túmulos de mil anos em diversos pontos do Leste Europeu, no Cáucaso e nos Urais, e a poesia francesa do século 12 já fazia referência à "cota de malha fina de fabricação russa".

Produzir armaduras é uma arte meticulosa que exige força com o martelo e habilidade para trabalhar com metais delicados. A cota de malha, por exemplo, era um dos tipos mais seletos de armadura, mas exigia avançada tecnologia de conversão para transformar metais em fios.
Lição dos nômades

Até o final da Idade Média, a maioria dos tipos de armadura havia desaparecido da Europa, exceto em uniformes de cavalaria. Entretanto, a produção russa seguiu por outro caminho ao adotar os modelos usados pelos invasores mongóis que chegaram no século 13.

Ao invés de armaduras sofisticadas, os guerreiros nômades produziam simples placas de metal que eram afixadas em casacos de couro. Os armeiros russos incorporaram esse revestimento metálico defensivo e adicionaram escamas a seu trabalho, que, pela simplicidade, tornava as armaduras acessíveis para as classes mais baixas, além de comandantes e membros da nobreza.

A tradicional cota de malha russa também sobreviveu e até evoluiu ao longo do século 14 em camisas de metal feitas de anéis planos, como um escudo blindado.

Um casaco de 20.000 anéis

Os mestres russos já faziam artefatos de anéis metálicos no século 10. Pedaços de ferro em brasa atravessavam orifícios finos em uma folha de ferro e progressivamente comprimiam o metal. Os fios resultantes eram cortados em pedaços e, em seguida, moldados em anéis. Uma peça de cota de malha precisava de 20.000 ou mais anéis, que depois eram ligados um a um.

Produzir uma cota de malha levava meses, e as armaduras de proteção custavam tanto quanto um cavalo de puro-sangue. Mas a demanda era alta, já que esse tipo de armadura protegia contra golpes de espada e também era relativamente confortável de usar, em comparação com outros modelos.

Pesando cerca de sete quilos, um casaco de cota de malha russo era mais leve que seus análogos ocidentais, com mangas mais curtas, mas bainha longa para cobrir as coxas. A recompensa de comprar uma proteção cara dessas fica evidente em amostras que sobreviveram ao tempo e às marcas de ataques de espadas e flechas.

Por volta do século 16, a proteção de metal praticamente deixou de existir na Europa devido à proliferação das armas de fogo. Mas a armadura robusta continuou a servir com destaque na Rússia, auxiliando na vitória de Ivan, o Terrível (1530-1584) sobre o Canato Tatar, no século 16, e sobre os exércitos dos reis sueco e polonês na Guerra da Livônia.

Museu de armaduras


A evolução da armadura russa está catalogada em ícones religiosos e representações de arcanjos e guerreiros cristãos, assim como em arquivos desses artefatos.

A armadura feita sob encomenda em 1620 para o tsar Mikhail Romanov consistia de 9.000 anéis e 1.500 placas de aço de apenas 1 milímetro de espessura decoradas com ouro. Outras 100 placas ornamentadas foram usadas em um conjunto para seu filho, Aleksêi.

A arte de moldar metais em vestes sobreviveu até o século 18, sobretudo em Moscou, onde os nomes de algumas ruas ainda refletem essa tradição do passado. Pedro, o Grande, finalmente abandonou a armadura durante a modernização do Exército russo, mas a tradição dos artesãos não se perdeu por completo.

A produção da cota de malha chegou mesmo a ser retomada no início do século 19 em trajes cerimoniais da escolta do Cáucaso-Górski da Guarda Imperial do Tsar. Então, capacetes de aço, pulseiras do mesmo material com acabamento em prata e armaduras de ferro foram produzidas para os 50 cavaleiros que escoltavam a carruagem do imperador em ocasiões especiais.

Uma arma comum contra os inimigos

Muitos acreditam que a história do uniforme militar russo tenha se iniciado com o tsar Pedro I. No entanto, as tropas russas do século 16 já contavam com soldados uniformizados, buscando maior unidade e eficiência.

Durante a Idade Média, não existia a noção de vestimenta militar uniformizada. Cada um vestia o que calhava. Quanto mais de destacava a armadura de um cavaleiro, maior era seu status. Já o mérito do soldado moderno está não em suas qualidades individuais, mas em sua participação na formação militar: justamente a união que o uniforme simboliza.
Assim como a maioria das forças europeias, o Exército russo não tinha um padrão único para vestes militares até o século 17. A espinha dorsal dos exércitos da época era a milícia nobre montada.

O pomeschik (senhor feudal na Rússia) recebia um lote de terra do Estado e, com a renda dessa, tinha que se armar e participar de campanhas militares. Ele precisava cumprir a norma em "termos equinos, humanos e bélicos". Assim, equipava-se dentro de suas possibilidades e do modo que considerasse aceitável.

É evidente que não se pensasse aqui em uma uniformização da veste militar: os coloridos caftans russos (casacos até os joelhos abotoados na frente) eram usados junto a roupas de couro tártaras e armaduras polonesas obtidas como troféu de guerra. Esse tipo exército apresentava baixo desempenho em combate.

Moda flecheira

Em meados do século 16, Ivan, o Terrível, decidiu formar as primeiras forças armadas regulares da Rússia. Surgiriam, então, os regimentos de streltsi (do russo, "flecheiros"), que contavam com 3.000 homens. Eles combatiam com um novo tipo de arma, os mosquetes manuais, viviam em quartéis nos arredores de Moscou, recebiam uma quantia regular e ganharam uniformes: um caftan de corte específico e sem cor definida nos primeiros tempos. Registros da época revelaram a existência de caftans vermelhos, amarelos e azuis.

Na virada do século, a cor também foi uniformizada. Em 1606, um observador estrangeiro descreveu o regimento de infantaria de streltsi "com caftans de lã vermelhos e uma faixa branca no peito". Nessa época, já havia um destacamento de streltsi montados e vestidos de maneira uniforme.

No início do século 17, surgiu um tipo unificado de veste militar entre os streltsi russos que se manteve inalterado até Pedro I. Era composto basicamente por um caftan longo abotoado da direita para a esquerda. O número de casas da abotoadura variava dependendo do regimento, e as dos oficiais eram feitas com fios de prata ou ouro. A cor do chapéu, botas e caftan também variava conforme o regimento.

Cor de caftan dos streltsi variava até século 17
Por cima do caftan usava-se um zipun (tipo de casaco) da mesma cor. Na cabeça, vinha um gorro alto de pele, geralmente valiosa, e na parte da frente do uniforme exibia-se uma variedade de emblemas em ouro ou moedas.

Os oficiais carregavam consigo um tipo especial de lança chamado protazan. Era pela cor da empunhadura da protazan que se distinguiam os diferentes títulos militares. Um elemento essencial do equipamento de soldados de baixo escalão era a faixa branca que passava por cima do ombro e que guardava cargas de pólvora e uma sacola para as balas.
Disputa de estilo
As primeiras representações de uniformes russos foram feitas por ilustradores estrangeiros em meados do século 17. "Os caftans deles eram bastante vistosos: em um regimento eram confeccionados com lã verde clara, e em outro, verde escura, abotoados no peito, segundo os costumes russos, com cordões de ouro", escreveu um austríaco a serviço do Exército russo.
O inglês Oliver Cromwell é considerado o primeiro a introduzir um uniforme militar unificado para seus soldados, em 1645. A moda teria então se espalhado 30 anos depois a partir da França por todo o continente.

Por isso, pode-se pensar que o caftan dos streltsi russos está entre os primeiros tipos de uniformes militares da Europa – ou mesmo que seja o pioneiro.

A farda como símbolo de resistência

O Exército russo reformado por Pedro I no início do século 18 tornou-se um dos mais fortes do mundo. Destacava-se de outras forças armadas da Europa não só pela resistência e formação dos soldados, como também como pelos uniformes, originais e práticos.
Tsar Pedro, o Grande com uniforme do regimento Preobrajênski
Pedro I (1672-1725) vestiu seu Exército seguindo um modelo específico. Seus dois regimentos pessoais de infantaria – Preobrajênski e Semiônovski – surgiram inicialmente como formações para os jogos de guerra do tsar. Com o passar do tempo, porém, ganharam o estatuto de unidades militares plenas, com armas e uniformes.

Os soldados de Preobrajênski vestiam caftans verdes, jaquetas vermelhas, calças na altura do joelho, meias brancas e sapatos que podiam ser substituídos por botas de cano alto. O chapéu de feltro também era verde. Já o caftan dos soldados do regimento de Semiônovski tinha outra cor, azul.

Em 1720, o padrão para ambos os regimentos passou a ser o verde-escuro. Apenas alguns elementos, como o colarinho e os punhos, diferenciavam-se: eram vermelhos no regimento de Preobrajênski e azul-claro no de Semiônovski.

O corte escolhido por Pedro I não se distinguia do difundido na Europa na época. Ao vestir seus guardas ao estilo europeu, o tsar quis que todo o novo Exército russo usasse as mesmas cores. Mas isso acabou se tornando um problema.

A indústria têxtil russa não conseguia produzir a quantidade necessária de determinadas cores. Durante todo o reinado de Pedro as tropas mantiveram uma séria discrepância nos uniformes. Os soldados podiam usar uniformes de qualquer cor que estivesse à mão. Não era raro ver regimentos inteiros vestidos com tecido cinzento de produção familiar camponesa.


Regimento Semiônovski

Fuzileiro (esq.) e oficial (dir.) do regimento Semiônovski

Meias vermelhas aos que não se dobram

O exército de Pedro I, vestido e armado às pressas, acabou enfrentando um dos inimigos mais fortes da Europa na época, a Suécia. Em 1700, o rei sueco havia derrotado o antigo Exército russo em Narva, e apenas os guardas de Pedro I ofereceram resistência na batalha.

Os soldados de Preobrajênski e Semiônovski repeliram todos os ataques suecos, apesar das grandes perdas sofridas. Para assinalar o valor desses regimentos, Pedro I acrescentou distintivos ao uniforme: emblemas em forma de meia-lua com a data "1700" confeccionados em ouro ou prata, dependendo da graduação do oficial.

Assim, os regimentos de Preobrajênski e Semiônovski tinham os únicos soldados do Exército russo que usavam meias vermelhas, e não brancas, como prova de sua bravura por terem resistido em pé em Narva.

Cada regimento do Exército russo tinha um grupo de granadeiros composto pelos soldados mais valentes e fortes. Mas, embora sua tarefa fosse apenas lançar granadas, esses acabaram assumindo as mesmas funções dos soldados comuns, apenas com uniformes diferenciados.

A característica mais distintiva de suas vestes era o chapéu em forma de cúpula e sem abas, já que essas atrapalhavam no lançamento das granadas. Na parte da frente desse, levavam uma placa gravada com o brasão russo: a águia de duas cabeças.

Regimento Preobrajênski

Granadeiro (esq.) e fuzileiro (dir.) do regimento Preobrajênski


Bigode e lenço

Por decisão de Pedro I, todos os soldados russos usavam bigode e tinham o cabelo cortado acima dos ombros. O "lenço", uma imensa faixa de fios entrelaçados que se lançava sobre os ombros e era fixada na cintura, era característica marcante do uniforme. Na qualidade de adorno, essa faixa podia ser tecida com fios de ouro ou prata.

Por vezes, esse lenço era mais resistente que uma corda. Em 1799, durante a Batalha da Ponte do Diabo, nas montanhas da Suíça, os russos usaram como ponte pedaços de madeira amarrados uns aos outros com os lenços dos oficiais.

A cor verde determinada por Pedro I para os uniformes militares se manteve por mais de um século. Nessa época, a cavalaria vestia uniformes azuis, e a artilharia, vermelhos.

A vitória do conforto

O caftan foi se transformando gradualmente. Em meados do século, ele adquiriu contornos parecidos com os do fraque atual, mas com abas em vez de cauda. A jaqueta foi encurtada, e o chapéu armado de três pontas passou a ser bicorne.

Com o tempo, também foi introduzida uma farda especial para os generais. Para esses, a vestimenta foi ficando cada vez mais rica, destacando-se pelos bordados de prata ou ouro nas laterais, na gola e nos punhos.

Durante o reinado de Catarina II, que durou de 1762 a 1796, o uniforme militar russo foi parcialmente alterado por iniciativa do kniaz (príncipe) Grigóri Potiômkin, o favorito da imperatriz. Os soldados ganharam um casaco mais curto e confortável, e um sobretudo de tecido grosso. Essa farda se espalhou pelo Exército e ganhou popularidade devido a sua praticidade.

Regimento Potiômkin

Granadeiro (esq.) e oficiais (dir.) do regimento Potiômkin

Novo tsar, novos uniformes

Do estilo prussiano à praticidade russa

Paulo I (1754-1801) criou seu exército seguindo o modelo alemão e conseguiu inculcar em seus subordinados a paixão pelo atributos estrangeiros na vida militar, como desfiles e batalhas de treinamento. Foi ele quem introduziu palavras alemãs na ordem do dia, mas, após sua morte, essas foram gradualmente abolidas.

Desapareceu também o inconveniente uso entre os soldados de cachos e tranças, que ficaram cada vez mais curtas e acabaram por sumir de vez. A casaca estreita de modelo prussiano foi trocada por uniforme mais familiar ao soldado russo. No entanto, as vestes dos soldados russos continuaram a ser rigorosamente padronizadas.
Alexandre I (1777- 1825) continuou a abordagem de Paulo quanto à padronização da aparência do soldado russo. Em 1802, o uniforme militar do país foi completamente reformado. As transformações afetaram todos os tipos de tropas, e sua abrangência foi algo nunca visto desde a época de Pedro I. A noção de uniforme começou a tomar até a vida cotidiana.

A partir de 1812, os soldados russos começaram a desfilar pelas ruas das cidades europeias libertadas dos invasores: Varsóvia, Berlim, Leipzig e, claro, Paris. Dessa maneira, chamaram muita atenção. Em primeiro lugar, porque estavam eufóricos com a glória das grandes vitórias militares. Mas não era só isso: o Exército russo se destacava pela sua alta escolaridade, disciplina e belos uniformes.
O antigo casaco militar comprido finalmente tomou a forma de casaca militar, com duas lapelas até a cintura e caudas longas nas costas. As calças curtas até joelhos foram substituídas por outras, com perneiras de couro, usadas por cima das botas.

No lugar dos velhos casacos de inverno e jaquetas de lã de ovelha, apareceu, pela primeira vez no Exército russo, o sobretudo. Introduzido em 1802, ele permaneceu quase inalterado por mais de meio século. O sobretudo militar feito de tecido grosso sem tingimento tornou-se um atributo tradicional do uniforme militar russo. Em caso de necessidade, ele podia facilmente se transformar em um casaco comprido impermeável, e as mangas longas podiam ser ajustadas para o tamanho certo.
O elemento mais distintivo do uniforme introduzido no início do século 19 era o "kíver". Inicialmente, tratava-se de um chapéu simples, alto e cilíndrico, com uma pluma ao lado chamada "sultan". O chapéu tinha não só função decorativa, mas também a de proteger a cabeça do soldado contra golpes de sabre.
Os hussardos da cavalaria russa eram quem vestia o uniforme russo mais vibrante e exuberante. Esses cavaleiros tomaram emprestados dos húngaros não apenas o estilo e a tática de batalha equestre, mas também o uniforme.

O "doloman" (jaqueta curta com gola alta e cordões) ou "dólmã", em português, virou motivo de orgulho entre os hussardos, e os destacava em qualquer reunião. Por cima do "doloman", usava-se o "mentik" (capa com botões e laçadas, coberta com pele).

Quando o tempo estava quente, o "mentik" era usado sobre um ombro e fixado com um laço debaixo do braço. Todos esses elementos do uniforme de hussardo eram ricamente decorados com fios de ouro e prata, e os melhores tecidos eram usados em sua confecção.
Os militares costuravam o uniforme às suas próprias custas e, quanto mais rica era sua aparência, maior o "status" de seu proprietário. A Guarda Imperial recebia o melhor uniforme, com alças de cor diferente, pelas quais os soldados eram reconhecidos.
Além disso, alguns grupos de militares tinham distinções especiais. As reformas dos uniformes militares do começo do século 19 eliminaram a famosa mitra de granadeiro, um chapéu com viseira grande na frente.
Os granadeiros receberam um "kíver" parecido com o de outros regimentos de infantaria. Apenas os Leibgarde (regimento de proteção pessoal do monarca) de Paulo tinham chapéus diferentes. Para marcar seus méritos, o tsar deixou-lhes as mitras antigas, que desde então se tornaram motivo de orgulho. Os granadeiros de Paulo as mantiveram até a Revolução de 1917.

Quando a guerra imita a moda

Os uniformes da era napoleônica desapareceram logo depois da morte do imperador francês, em 1821. A modernização das vestes militares russas teve início quatro anos depois da morte do tsar Alexandre I.

A principal inovação no reinado do sucessor de Alexandre I, o tsar Nicolau I (1796-1855), foi o abandono de alguns elementos da veste antiga. Após as mudanças, a jaqueta tipo fraque, transpassada e com abotoamento duplo, alongada atrás e mais curta na frente, virou "coisa do passado". Em seu lugar, passou-se a usar a jaqueta de abotoamento simples, cujas abas caíam sobre os quadris.

Também foram introduzidas pela primeira vez calças compridas, enfiadas dentro das botas. A barretina foi perdendo gradualmente o status de principal adorno da chapelaria militar: sofreu algumas alterações, e, em meados do século, já tinha sido quase totalmente substituída pelo quepe.

Mas o quepe introduzido no Exército no final do século 18 também não teve aceitação generalizada. Era mais um tipo de chapéu informal que os militares usavam quando não estavam em serviço. Quem usava quepe com maior regularidade estaria provavelmente tentando ser original ou criar uma imagem diferente. Foi assim que o quepe sem pala virou o tipo de chapéu favorito do marechal de campo Kutuzov, que derrotou Napoleão.

Nicolau, o estilista

Tudo mudou em meados do século 19, quando o quepe sem abas passou a ser usado amplamente. Já os quepes com palas eram empregados apenas por oficiais. A barretina do uniforme cerimonial foi substituída pelo capacete, que era feito de couro e reforçado com uma estrutura metálica. O couro levava uma camada protetora de esmalte e, na frente, uma pequena pala.

Em ocasiões festivas, colocava-se por cima do capacete um enfeite de crina de cavalo, uma espécie de espiga de metal, ou até mesmo a águia bicéfala, também de metal.

Batalhão de Engenharia do Exército russo planejando fortificações na década de 1840
Cabe lembrar que o famoso capacete alemão com a ponta de lança em cima, o pickelhaube, com o qual Otto von Bismarck posou de bom grado, teve origem russa.

No início da década de 1840, essa peça foi criada pelo próprio Nicolau I, que usou como modelo os antigos guerreiros russos. O capacete de couro esmaltado tinha uma pala na frente, uma aba na parte de trás e, em cima, levava um enfeite em forma de granada flamejante.

Campo militar nos arredores da cidade de Krásnoie Selô. 1849
Tchetcheno empunha espingarda durante guerras do Cáucaso, entre os anos 1840 e 1850
A Guerra do Cáucaso, travada pela Rússia por décadas, introduziu elementos completamente novos na vestimenta do soldado russo. A papakha (gorro de pele dos homens das montanhas) teve seu uso disseminado pelas tropas. Não apenas combatentes das forças militares do Cáucaso, mas soldados de todo o país a vestiam.
Também a partir do Cáucaso se espalhou a moda da tcherkeska (tipo de caftan ajustada na cintura que era comum entre os habitantes das montanhas). Confortável e prática, a tcherkeska foi adotada primeiro por cossacos e, mais tarde, acabou se espalhando por todo o Exército. As tcherkeskas de gala eram elementos importantes do guarda-roupas do tsar.
Bigodes em ascensão

Diferente de outros tempos, todos os oficiais podiam usar bigode durante o reinado de Nicolau I. Como hoje, o homem com pelos no rosto ganhava popularidade. O próprio tsar e seus principais comandantes deixaram crescer bigodes.

Além disso, aos poucos passaram-se a usar distintivos nos ombros, e a patente militar começou a ser indicada pelo número de estrelas. A espada, elemento essencial do estatuto oficial desde a época de Pedro I, foi substituída pelo sabre, que ficava preso a um cinturão rico e ornado.

Em 1862, os capacetes e quepes sem pala foram oficialmente substituídos pelo quepe de pala larga e reta. O laço preso a esse designava o tipo de tropa, e alguns oficiais usavam crinas de cavalo fixadas.

O uniforme do Exército russo manteve até 1881 muitos elementos nada práticos, mas bem coloridos, como tiras bordadas nas fardas dos oficiais, exuberantes crinas na chapelaria etc. Com a aproximação do final do século, porém, os uniformes militares foram simplificados.

No lugar dos quepes, pequenas chapkas (gorros) de pele de cordeiro foram introduzidas, mas, depois, acabaram sendo substituídas mais uma vez pelo quepe tradicional com pala. Os oficiais passaram a usar uma espécie de túnica militar, que, no verão, era de cor branca, enquanto os soldados ganharam a guimnastiôrka, um tipo de camisa mais comprida e larga, confeccionada em tecido grosso e que inicialmente era usada para a prática de exercícios.

Muita pompa para guerra

Alexandre III, que não gostava de grandes públicos e apreciava coisas singelas, simplificou o uniforme dos soldados russos. Mas seu filho, o último tsar russo Nicolau II, tinha grande paixão por atributos militares estrangeiros: manobras, desfiles e uniformes.
Alexandre III (esq.) e Nicolau II (dir.)
Ignorando a reforma das vestes da cavalaria , o uniforme básico do Exército introduzido por Alexandre III manteve-se em uso até a guerra russo-japonesa. Nessa, os soldados russos vestiram túnicas brancas, assim como os oficiais, e quepes de cores variadas, dependendo da unidade militar, mas cobertos por uma capa também branca.

Mas, por se distinguir tão bem a distância, o uniforme tornava os militares russos alvos fáceis para os artilheiros inimigos. A situação ficou tão grave que os combatentes começaram a tingir a vestimenta por iniciativa própria. Assim, em 1904, passou-se a confeccionar a guimnastiôrka (tipo de camisa longa e larga) dos soldados e as túnicas dos oficiais em tecido cáqui.
A derrota da Rússia na guerra russo-japonesa levou a novas alterações no uniforme. Por um lado, as batalhas demonstraram que a roupa do Exército precisava ser adaptada às novas condições de combate. Por mais que camisas brancas como a neve agradassem os soldados e as brilhantes dragonas, os oficiais, não dava para virar mira fácil de um franco-atirador ou de uma metralhadora inimiga.

Em 1907, o exército foi inteiramente vestido com uniformes cáqui. O quepe com pala se impôs definitivamente como principal atributo da chapelaria militar, enquanto as calças largas, enfiadas dentro das botas, substituíram por completo as calças justas, tendo apenas os cavaleiros mantido as reithose (calças justas de equitação) cinzas com elementos coloridos. As túnicas e camisas brancas viraram para sempre "coisa do passado". Os novos uniformes dos oficiais eram cáqui e tinham bolsos no peito e botões metálicos. A guimnastiôrka dos soldados também ganhou bolsos, mas seus botões eram feitos de couro prensado.

Terapia da moda


Voluntário da Artilharia Montada em 1912
Para elevar o moral do Exército derrotado, surgiu um novo uniforme cerimonial de gala. Todos os soldados receberam jaquetas com abotoamento duplo e debrum (acabamento feito entre duas costuras) de cor viva. Os oficiais dos regimentos ganharam bordados de ouro sobre a jaqueta, e os generais, um ornamento especial em forma de folhas de carvalho.

Em algumas unidades foram retomadas as já esquecidas barretinas, confeccionadas no mesmo modelo daquelas usadas pelos soldados russos em 1812. No regimento Granadeiro ordenou-se o uso de alamares sobre o ombro direito, como se fazia no século 18, agora com o monograma de Catarina II. As faixas de prata para a cintura se assemelhavam àquelas usadas no tempo de Suvorov. Elementos do glorioso passado militar russo foram incorporados para levantar o moral dos combatentes.
Luxo no lixo

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, os soldados russos não puderam apreciar plenamente a beleza do novo uniforme cerimonial. Não restou outra opção, senão colocá-lo de lado, uma vez que no fronte ele não tinha qualquer utilidade. Os oficiais se viram obrigados a se vestir com tanta simplicidade quanto os outros soldados.

Todos os elementos chamativos e brilhantes de suas vestes, como botões e insígnias, foram tingidos com cores escuras para se tornarem invisíveis aos inimigos. As correias entrelaçadas do cinto da espada foram substituídas por outras, de couro, que se cruzavam nas costas e mantinham o cinturão com um coldre para o revólver e uma bainha para a arma branca. Junto à túnica militar e à guimnastiôrka, passou-se a usar uma jaqueta, introduzida pelos aliados do exército britânico.

A falta de material também levou a alterações no estilo da vestimenta militar. As tropas do fronte do Cáucaso receberam autorização para confeccionar suas tcherkeskas com tecido cinzento caseiro. A falta de couro levou à substituição maciça das botas com caneleira enrolada.
Supunha-se que o uniforme cerimonial do Exército russo seria trajado mais uma vez nas capitais dos Estados inimigos derrotados: Berlim e Viena. Um modelo especial chegou a ser confeccionado para a futura parada da vitória, com chapéu de feltro em forma de capacete, imitando o antigo capacete russo. Longos capotes com martingales (presilhas que acinturam o casaco) costurados na região do peito, um sobre outro, faziam lembrar o caftan dos arqueiros russos. Tudo isso deveria simbolizar o triunfo do espírito eslavo sobre o seu eterno inimigo, a Alemanha.

A revolução que não se refletiu nas vestes

Os militares soviéticos decidiram retomar diversos elementos da época imperial. Assim, o Exército recuperou uma série de características distintivas de sua vestimenta, e algumas peças se mantiveram sem grandes alterações até o início do século 21.
Soldado do Exército Vermelho.

A Primeira Guerra Mundial deixou o país e seu Exército em beco sem saída. Os soldados nas trincheiras se recusavam a lutar e muitos fugiram para a retaguarda. Entretanto, a Guerra Civil que estourou entre vermelhos e brancos exigiu a criação de novas forças armadas organizadas, com comando único, logística militar e uniforme padronizado. Após tomar o poder com a Revolução de Outubro de 1917, os bolcheviques criaram o Exército Vermelho.

Quatro anos antes da Primeira Guerra Mundial, o governo do tsar armazenou imensos estoques de uniformes militares. Não faltavam sobretudos, camisas e sapatos. Se assim desejasse, o Exército Vermelho poderia vestir milhões de pessoas com esse material. O problema era outro: os homens do Exército Branco usavam justamente o mesmo uniforme.

38° Regimento Rogojsko-Simonovski na Praça Vermelha, em Moscou, antes de ser enviado para o Fronte Sul. 1918.
Em 1918, não eram raros os casos em que soldados do Exército Vermelho, após cruzar acidentalmente a linha do fronte, davam-se conta de estar em meio a inimigos apenas depois de iniciar uma conversa. Para poder diferenciar seus homens, o Exército Vermelho introduziu um emblema especial, que se carregava no peito, em forma de ramos de louro entrelaçados e com uma estrela vermelha, no centro da qual havia o símbolo da foice e do martelo cruzados.

No entanto, o elemento que mais diferenciava o soldado do Exército Vermelho era a famosa "budiônovka". Seu esboço foi traçado ainda antes da guerra, quando serviu como chapéu de gala para o desfile de aniversário da dinastia reinante. Durante a Guerra Civil, a "budiônovka" se popularizou. Era uma espécie de capacete de tecido grosso com pala na frente, aba na nuca e cujas pontas desciam a partir das têmporas. Nos dias quentes, essa aba era dobrada e presa para cima; já nos dias frios, era solta e amarrada debaixo do queixo.

Presidente do Comitê Revolucionário do Norte do Cáucaso, Sergó Ordjonikidze (centro) desfila com o Exército Vermelho em Baku, capital do Azerbaijão. 1920.
Diferente, mas igual

O Exército Vermelho se baseava em princípios diferentes do antigo modelo imperial. Por exemplo, nele não havia lugar para corpo de oficiais: os oficiais eram considerados uma relíquia do passado, um elemento do autoritarismo. Mas, como nenhuma corporação existe sem comando, também o Exército Vermelho manteve altos postos – simplesmente com outros nomes.

O coronel, por exemplo, virou "komot" (comandante do esquadrão) e o general, "komdiv" (comandante de divisão). O posto mais alto, equivalente ao antigo marechal, era agora o "komandarm" (comandante do Exército). Junto ao corpo de oficiais, foram abolidos também elementos especiais distintivos dos oficiais superiores do Exército: alamares e insígnias nos ombros.

Com o tempo, o uniforme militar soviético foi perdendo seus elementos originais da época revolucionária e se aproximando mais de modelos existentes na era imperial. Em 1924, os capotes e sobretudos perderam todos os emblemas das mangas e das lapelas de proteção dos bolsos. Apenas as insígnias no colarinho permitiam agora determinar o posto do comandante, e foram transferidos para lá todos os quadrados, triângulos e losangos das mangas.

Além disso, o tamanho das insígnias foi reduzido, e todas passaram a ser de metal. No lugar da "budiônovka" foi introduzida uma proteção para cabeça igual para todos os ramos e postos militares: o quepe com pala e uma estrela vermelha. As unidades militares receberam capacetes de metal projetados para as tropas imperiais ainda em 1916.

Às vésperas da Segunda Guerra

No lugar dos antigos sobretudos com lapela de proteção sobre os bolsos foram introduzidas "guimnastiôrkas" (tipo de camisa comprida e larga) iguais, de cor cáqui. Esses modelos se mantiveram sem grandes alterações até o início do século 21: até recentemente, o soldado do Exército russo se vestia no inverno do mesmo modo que seu análogo da década de 1920.
O comando do Exército recuperou uma série de elementos distintivos de sua vestimenta. Na véspera da Segunda Guerra Mundial, as denominações revolucionárias dos postos militares foram substituídas pelas tradicionais, e o Exército Vermelho voltou a ter generais e marechais.

A principal peça de roupa exterior passou a ser a jaqueta, cuja divisa era costurada em tecido vermelho e faixa dourada. Os oficiais receberam o direito de usar uma arma pessoal, medida que não se autorizava desde o tempo da revolução.

No entanto, as platinas não regressaram logo ao Exército. Esse importante elemento dos uniformes oficiais só voltou a ser adotado durante a Segunda Guerra Mundial.

Menos brilho para brilhar mais

Uniformes soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial traduziram a realidade da época
Às vésperas da Segunda Guerra Guerra Mundial, a União Soviética tinha o maior exército da Europa, com quase dois milhões de soldados. E o país não podia mudar constantemente o uniforme de um número tão grande de militares.

De modo geral, o uniforme russo durante a Primeira Guerra Mundial e o modelo usado por soldados soviéticos na Segunda Guerra não eram muito diferentes. Ambos eram compostos pela mesma túnica de algodão, calças e sapatos com polainas, devido à escassez de couro. No inverno, usava-se também um sobretudo inspirado no modelo de 1935, que, por sua vez, reproduzia o corte de casaco de 1912.

Em vez do chapéu de palha, dispunha-se do popular bivaque, que substituiu até mesmo o famoso "budenovka". Quando esfriava, a cabeça era protegida por um chapéu que cobria até a orelha.
Os soldados do Exército Vermelho recebiam um conjunto completo de equipamento: cinto (que podia ser de couro, mas muitas vezes era de lona), bolsa de cartuchos (principal e de emergência), saco para granadas, rações, pás, cantis e equipamento para fuzis. Além disso, o soldado possuía um capacete de aço. Mas a guerra trouxe suas mudanças.
O equipamento volumoso, embalado em várias sacolas, sobrecarregava os soldados, que tinham de caminhar entre 30 e 40 km por dia. No lugar das bolsas, foi então introduzida uma única mochila de tecido impermeável.
O sobretudo que os soldados tinham que usar também não facilitava a mobilidade. Assim, em agosto de 1941, foi introduzido um novo "estilo" de inverno: jaquetas acolchoadas, que podiam ser usadas sob o casaco e eram uma peça independente do uniforme.
Em regiões com invernos rigorosos, as jaquetas foram substituídas por casacos de pele e, no lugar dos sapatos e botas comuns, foram introduzidas as botas de lã.
Liudmila Pavlitchenko:
Heroína da União Soviética, a franco-atiradora
abateu 309 soldados e oficiais alemães.
Foto de 01/05/1942.

Vestidas
para a guerra

Junto aos milhões de homens no Exército havia também milhares de mulheres. O antigo Exército russo nunca tinha presenciado uma quantidade maciça de representantes do sexo feminino, por isso não havia uma veste especial para essas. Os dirigentes soviéticos precisaram de muita agilidade para resolver esse problema.

Em agosto de 1941, um uniforme especial foi lançado para as mulheres. Em vez do bivaque, elas usavam um quepe, e a túnica de soldado foi substituída por um vestido, inicialmente de algodão e depois de lã.
Maria Dólina (1922-2010), heroína da União Soviética
Enquanto as forças alemãs apertavam o cerco à cidade de Sevastopol, voluntárias russas empunhavam
submetralhadoras Thompson para defender o país. 1942.

Reforma
da cabeça aos pés

As primeiras batalhas mostraram que o uniforme dos oficiais e generais soviéticos os tornavam um alvo fácil para os inimigos. Os emblemas de costura bonita e distintivos na ponta de quepe, introduzidos pouco antes da guerra, chamavam muita atenção.

Foi assim que, em agosto de 1941, abandonou-se o uso de emblemas e as listras brilhantes nas calças, e os emblemas dourados nas lapelas foram substituídos por similares de cor cáqui.

O uniforme soviético dos primeiros anos da guerra se distinguia pelas cores, e foi produzido em grandes quantidades em fábricas que não funcionavam muito bem. Assim, em 1943, decidiu-se fazer uma grande reforma no guarda-roupa militar.

A principal inovação foi a introdução da insígnia de ombro, elemento que havia sido erradicado do Exército Vermelho. Os oficiais do Exército tinham dois tipos de insígnias: as de combate e as do dia-a-dia. As primeiras eram cáqui, e as outras, douradas.

A patente passou a ser determinada não por losangos e quadrados nas lapelas, mas pelo número de estrelas nas divisas. Os oficiais de alta patente e os marechais tinham um símbolo especial nas divisas: o emblema dourado da URSS.

A reforma não afetou muito as patentes mais baixas, e os soldados tiveram apenas que trocar as camisas. Na nova versão, em vez da gola aberta apareceu a gola fechada com botões, e praticamente desapareceram os sapatos com polainas.

Trocando o guarda-roupa
Então, os integrantes do Exército usavam botas de "quirza", um tipo de couro artificial com pano de muitas camadas tratado com um líquido especial que o tornava resistente à água. Em comparação com os sapatos pesados de antes, as botas de couro artificial eram muito confortáveis.

Os uniformes também foram divididos entre modelos para eventos especiais, para combate e para o dia a dia, e os oficiais receberam novamente a jaqueta militar ("Kittel"), peça que era usada pelo Exército imperial. Outros elementos do antigo uniforme também voltaram ao guarda-roupa do militar soviético, como punhos com costura de ouro e prata.

O uniforme do soldado para cerimônias oficiais tinha linhas vermelhas na gola, nos punhos e nos bolsos. Os soldados soviéticos vestiram esse traje de cerimônias oficiais pela primeira vez no dia 24 de junho de 1945, durante o desfile da vitória em Moscou.

Novo uniforme para um Exército novo

Depois da vitória em 1945, mudança de atitude em relação às tropas se refletiu também no estilo das roupas.
Soldados soviéticos iniciam serviço militar. 1967.
Após derrotar a Alemanha na Segunda Guerra Mundial, o Exército Vermelho passou a se chamar oficialmente de Exército soviético em 1946. Com a mudança de nome, a instituição deixou de ser vista como uma força armada da "futura revolução comunista mundial" e adquiriu o estatuto de forças armadas nacionais do Estado soviético. Esse processo, porém, teve início ainda durante a guerra.

A introdução de platinas (insígnias de ombro) foi um claro retorno às tradições do antigo Exército russo. Depois da vitória militar em 1945, a maior já obtida pelas forças armadas da Rússia, era inevitável uma mudança de atitude em relação às tropas.
Naquele mesmo ano, os generais soviéticos receberam um novo uniforme de gala composto por um jaquetão azul-esverdeado fechado com abotoamento duplo. Devido à coloração, foi logo apelidado de "tsarina", em referência à cor, popular no Exército imperial antes da Revolução de Outubro. Os punhos da jaqueta levavam agora um bordado de ouro e prata, mais uma referência clara ao tempo dos tsares.

O uniforme tinha, contudo, um detalhe próprio: o botão de cima era removível para facilitar a colocação das condecorações. Era uma medida cabível, já que, no final da guerra, qualquer líder militar soviético acumulava tantas medalhas que essas mal cabiam no peito.

As vestes de sargentos e soldados do Exército soviético não sofreram alterações depois de 1945, pois já eram tão práticas em condições de combate que não havia qualquer motivo para aposentá-las.

Revisão pós-Stálin

Uma revisão mais séria dos uniformes militares começou a ser feita somente depois da morte de Stálin, e foi iniciada pelo marechal Jukov, um herói da guerra. As alterações mais importantes foram feitas nos uniformes dos oficiais superiores, dos generais e marechais

A principal delas foi a transição da tradicional túnica fechada para outra, com novo corte e aberta. Debaixo dela, usava-se camisa branca e gravata, além de folhas de carvalho bordadas a ouro e prata no colarinho. No nó da gravata, os marechais levavam uma grande estrela, uma insígnia especial de distinção da mais alta patente militar. Eles também recebiam o cinturão com fios de ouro e a adaga do traje cerimonial.

O quepe dos oficiais também sofreu alterações. O tamanho da copa aumentou e apareceu um emblema da estrela vermelha cercada por espigas douradas. Esse item se manteve praticamente inalterado até o final das forças armadas da União Soviética e o aparecimento dos novos símbolos do Exército russo moderno.

O uniforme de campo e diário dos oficiais sofreu menos alterações: com o tempo, a túnica fechada foi dando espaço à aberta. Quando estava quente, os oficiais tinham permissão para usar apenas a camisa e gravata cáqui. O quepe com copa aumentada também passou a ser cada vez mais comum no dia-a-dia.

Depois da guerra, os oficiais começaram a voltar de bom grado à tradição pré-revolucionária de enfeitar partes da jaqueta com bordados a ouro, que eram elegantes e ressaltavam o valor dos oficiais. No entanto, tiveram que voltar a adotar os botões e platinas de cor cáqui já em 1956. A repressão da revolta húngara mostrou que os botões dourados continuavam sendo um alvo fácil para atiradores de elite.

Driblando o clima

Em 1969, os soldados e oficiais soviéticos ganharam, pela última vez, um novo uniforme. Até então, as vestes de campo dos soldados haviam sofrido poucas alterações. O soldado soviético continuava a se parecer com aquele que combateu na Segunda Guerra Mundial.

Foi às vésperas da década de 1970 que ocorreu a maior transformação no uniforme, que perdeu a "guimnastiôrka" (tipo de camisa sem abertura comprida e larga), considerada, até então, seu principal elemento desde os tempos dos tsares. Isso aconteceu porque a peça representava um obstáculo nas condições da guerra moderna, já que tinha que ser vestida e despida pela cabeça. A "guimnastôrka" tinha então de ser rasgada.

No caso de o soldado se encontrar em uma área afetada por radiação nuclear, isso representaria um perigo para a sua saúde. Por isso a liderança do Exército propôs introduzir, em seu lugar, a túnica, que podia simplesmente ser desabotoada.

As calças dos soldados passaram a se parecer menos com sacos, enquanto a boina "pilotka", um atributo do Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, foi preservada, bem como as botas enceradas.

O uniforme era confeccionado em tecidos de algodão ou com mistura de lã, já que era prático para a variabilidade climática da União Soviética. Para aqueles que serviam o Exército em regiões quentes da Ásia Central foi desenvolvido um uniforme especial: um chapéu tipo panamá com abas para substituir a "pilotka" e sapatos, em vez de botas.
Também surgiram pela primeira vez nas unidades de infantaria a "telniachka", uma camisa interior de listras horizontais que se vestia por debaixo da túnica. Para se distinguir, as tropas de paraquedistas levavam listras azul-celeste.

O uniforme do paraquedista soviético – jaqueta curta, calças com bainha presa dentro das botas, boina e camisa listrada – sobreviveu ao próprio Exército soviético e hoje se mantém, com algumas alterações, no Exército da Rússia moderna.

Um modelo para o futuro

Com o fim da URSS, o Estado procurou se livrar de todo o legado soviético, incluindo os uniformes militares. Em comparação com o período anterior, o número total de elementos do uniforme caiu quase para metade.
Soldados participam de missão perto da cidade russa de Stavropol, em 2012
Em 1991, a União Soviética deixou de existir. Com a queda do regime, foi-se também o Exército soviético. Parte das tropas passaram para o comando das ex-repúblicas soviéticas onde já estavam baseadas.

A Rússia assumiu então a tarefa de criar suas próprias Forças Armadas. Mudar a cara do Exército era inevitável e o novo Estado procurou se livrar de todo o legado soviético, incluindo os uniformes militares.

Quatro anos depois, o então presidente Boris Iéltsin assinou um decreto introduzindo, pela primeira vez desde 1969, alterações significativas nos uniformes do Exército nacional.
Soldado das tropas russas na Tchetchênia
A primeira medida foi abolir tudo o que se considerava excessivo nos uniformes soviéticos, começando pelos elementos decorativos dos trajes dos oficiais. Na sequência, foram aposentadas as jaquetas azul-marinho, as platinas (insígnias de ombro) e os quepes coloridos. A cor das fardas foi padronizada em verde-oliva, e os representantes de diferentes tropas começaram a usar divisas.

Um dos principais objetos de orgulho dos oficiais soviéticos, a "papakha", um gorro de pele usado no inverno, também virou história, assim como o capote de inverno, atributo tradicional tanto no Exército tsarista, como no soviético.

Embora o emblema soviético na cinta do quepe tenha sido mantido, um novo símbolo metálico em forma de águia bicéfala foi afixado na parte superior do quepe para enfatizar os elementos da nova Rússia. Essa inclusão aumentou a armação do quepe, que se tornou desproporcionalmente grande.

Simplicidade à prova

Em 1997, um novo decreto estendeu a tendência de simplificar os uniformes militares. Os generais perderam a insígnia de mérito especial: a grande estrela nas platinas foi substituída por quatro menores. Também a águia foi retirada do quepe.

Em comparação com o período soviético, o número total de elementos do uniforme caiu quase para metade. Talvez para compensar, foram introduzidas insígnias nas mangas.

Mesmo assim, o soldado russo do início do século 21 não diferia muito do soviético na aparência: boné no verão, chapka com cobertura de orelha no inverno, jaqueta, casaco, as mesmas calças e botas de kirza.

A maioria dos comentaristas teve uma reação negativa quanto ao uniforme de campo russo, tecendo duras críticas a suas deficiências nas condições da guerra moderna.

A ideia de uma reforma geral dos uniformes foi fomentada por muito tempo, mas começou a ser concretizada apenas no final dos anos 2000. Tanto personalidades militares, como nomes da moda estiveram envolvidos na criação das novas peças.
Treinos estratégicos da frota do Báltico "Khmelevka", no enclave russo de Kaliningrado, em 2009.

Soldado repaginado

O novo uniforme dos militares russos apresentava diferenças significativas em relação aos modelos que soldados e oficiais já haviam usado até então. Inicialmente, decidiu-se transferir as insígnias dos ombros para o peito e as mangas. Acreditava-se que, nos ombros, essas indicariam ao sniper inimigo a patente militar do eventual alvo.

Os militares usaram esse uniforme até 2013, quando, sob pressão da opinião pública, as insígnias voltaram ao posto inicial. Com o tempo, as demais mudanças acabaram sendo aceitas e assimiladas por todos.

O uniforme começou a ser confeccionado com diferentes materiais e tinha múltiplas camadas. Os casacos, por exemplo, passaram a ser produzidos em três modelos: a vetrovka (para o verão), o impermeável e o de poliéster. No dia-a-dia, no lugar da jaqueta pesada surgiu o chamado "terno de escritório", que consiste em uma jaqueta mais leve e calças.

O quepe dos oficiais teve armação novamente reduzida, e agora mais se parece com o do tempo dos tsares e dos comandantes soviéticos da Segunda Guerra Mundial.

Os militares tiveram que deixar muitos elementos tradicionais russos: o cinto de couro com a fivela de latão, as botas de kirza e "faixas de enrolar no pé". Essas eram usadas por soldados russos desde tempos imemoriais e se transformaram no principal objeto do folclore militar.

Mas isso não foi tudo. A roupa passou a ter elementos de plástico e, em vez de botões, ganhou zíper. O soldado russo passou a usar, pela primeira vez na história, um uniforme completo.

Soldado do futuro

As vestes contemporâneas do soldado do Exército russo não diferem dos melhores exemplos da atualidade. Mesmo assim, elas continuam a exibir elementos da época soviética e até mesmo do Exército imperial.

O tom azul-marinho da jaqueta do uniforme oficial é, por exemplo, um legado da era pré-revolução. Os bordados nas lapelas da jaqueta, em forma de folhas de louro, assim como as platinas douradas bem visíveis nos ombros, trazem à memória as tradições gloriosas. Já os soldados do regimento presidencial, baseado no Kremlin, têm um uniforme com corte especial, cujo modelo lembra o traje da guarda russa no século 19.
Hoje, mais do que antes, os exércitos de diferentes países evoluem rapidamente. Tudo neles muda, de armas a uniformes. Não é à toa que os filmes de ficção científica tentam há tanto tempo criar a imagem do soldado do futuro com uma espécie de macacão futurista.

Apresentação do soldado do futuro "Rátnik", criado em 2015

A farda e o tempo

A evolução do uniforme do soldado de infantaria russo-soviético com o passar das décadas, dos regimes e das guerras
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Editor: Dmítri Golub
Subeditores: Marina Darmaros e Paulo Paladino
Editor-assistente: Anastassia Muzika
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Paginação e design: Slava Petrákina

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